Antes mesmo
que conseguisse entender seu amor, sua frieza e desdém lhe desenharam como um vil moleque, ainda que mesmo amendotrado. Gostaria que deixasse de lado este androide
emocional que entrega junto a sua vulnerável alma. Sei que é bom. Sei que é bem... Mas não me importo mais. Não me vejo em
seus sorrisos. Não o vejo.
Eu dou continuidade a suas falas, que me atigem como facadas - mas não demonstro -, com uma justificativa que
nada conclui sua concepção já montada sobre minha pessoa, mas foi regada de
verdades gritantes e autorreflexão nocivas, aos meus próprios ouvidos:
Não sei por qual razão você reclama, conhece-me muito bem! Continuo aquele boçal de aparelho que vestia a calça por cima da camisa e ria mostrando as gengivas, sempre de restrito acesso. Talvez eu seja sim um homem menos homem por me recusar a o ser – ao menos na maneira que você queria. Sou meu maior repúdio por ter aversão ao que me parece ordinário e me escondo em formas de gelo dentro do meu congelador para preservar o pouco de mim ainda não corrompido. Existem coisas que você ainda não desvendou, assuntos que finjo esquecer. Portanto, perca-me, não me importo. Nós já
nascemos perdendo... Perdemos inocência, perdemos pureza, perdemos coragem,
perdemos curiosidade, perdemos pensamento próprio, perdemos determinação,
perdemos revolta, perdemos amor, perdemos pessoas, perdemos dinheiro, perdemos
amigos, perdemos beleza, perdemos tempo, perdemos simpatia, perdemos paciência,
perdemos cabelos, perdemos desejos, perdemos oportunidades, perdemos anos,
perdemos liberdade, perdemos os dentes, perdemos moral, perdemos nós mesmos,
perdemos a razão, perdemos o bom senso, perdemos virtude, perdemos objetivos,
perdemos caráter. Perdemos o gosto, perdemos o gozo, perdemos o começo e agora
chega a hora de ganhar: um fim.